sexta-feira, 21 de março de 2008

Pegurrero Atômico

Passei em casa para um banho rápido, porém acabei tomando um chá preto e ouvindo uma musica queimada num cachimbo industrial qualquer. Como não tinha o que fazer já havia dois segundos, resolvi inventar um Pegurrero de Fermat, baseado em dois botões de uma calça velha e em um naco de madeira de lei turca.
Em 5 minutos criei meu principal invento para surpresa da minha própria inteligência, e de cima da ponte sobre o rio Kuwait, o observava planar e arrastar-se ao mesmo tempo. Por horas fiquei imaginando o quanto meu pai, o Grande Manasses I diria de mim. Que palavras proferiria tão grande sábio, ao ver seu próprio filho único, primogênito de uma linhagem de 17 rebentos? Que era louco esse filho, por ser tão ousado? Que sua garganta era de ferro, por não enferrujar na chuva?
Divagava e pensava naquele que tinha sido meu único gerador, quando fui interrompido por um negro de sotaque soluçante – percebi depois, que não era sotaque, mas ele chorava de tristeza – oferecendo 1milhao de sucres Armânicos por meu protótipo – o único Pegurrero construído e movido a milho de pipoca.
Recusei prontamente, com uma fineza que me fôra ensinada pela tribo de Jah, em ocasião de férias de inverno na baixa África.
Na verdade, a oferta era muito generosa, tinha de admitir, porém desconfiava que a Armânia tinha sido consumida pelo fogo do inferno havia pelo menos dois séculos. Com quem eu trocaria a moeda então, se os Armânicos estavam em poder do diabo, e eu não estava disposto a fazer uma viajem sem volta a casa do capeta? Claro, minha conclusão fora óbvia; a moeda era falsa.
Inconformado por minha sutil desconfiança, meu interlocutor reforçou a oferta acrescentando duas romãs e um exemplar nunca antes editado, do Livro dos Mortos Argentinos. Como se não bastasse, ofereceu-me um pegurrero atômico fabricado em 1833.
Ao perceber o grau de desespero do austríaco (sem que ele percebesse li seu passaporte), tive certeza o quão estive errado ao julgar meu interlocutor trapaceiro, e pedindo desculpas, peguei carona na primeira tartaruga tailandesa que passou puxando um carrinho de transporte. – não me despedi, se me lembro bem.
Enquanto fugia, e ainda sem acreditar em proposta tão indecente, quase cometi suicídio impensado ao lembrar que teria de enfrentar a ira de Fermat por ter largado o pegurrero sozinho em tão revoltosas águas. Não tive duvidas, “eu criei, eu destruo”, pensei. Rapidamente puxei a tampa do ralo, e fiquei observando-o girar em torno do próprio eixo, até escoar todo hidrogênio da água encanamento abaixo. – A ponte sobre o rio, joguei na lixeira; sem que ela percebesse.
Foi o fim da esperança da humanidade e destruição sem testemunhas daquela que foi a maior invenção, após Darwin ter inventado a história do macaco.
Desolado e me sentindo mal e burro, voltei para sala a tempo de ouvir a última parte da última musica que queimava no cachimbo na boca do preto velho de jaqueta branca que pedia esmolas na porta da igreja: “Fermat´s Last Theorem”.
Já era noite alta, e o chuveiro estava ligado.

Manassés
Orig. 9/9/2003

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